É permitida a reprodução parcial ou total deste texto desde que citada a fonte:
Russomano F, Reis A, Camargo MJ, Grinsztejn B, Barbosa GC. Prevalência do HIV em portadoras de Neoplasia Intraepitelial Cervical de Alto Grau. Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis, 2001; 13(2): 37-9. Available from URL: http://www.cervical.com.br

Título:
Prevalência do HIV em portadoras de Neoplasia Intraepitelial Cervical de Alto Grau.
HIV prevalence in women with cervical intraepithelial neoplasia.

Título abreviado:
Prevalência do HIV em portadoras de NIC AG.

Autores:
Fábio Russomano - Doutorando em Pesquisa Clínica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; Setor de Patologia Cérvico-uterina do Departamento de Ginecologia do Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz (IFF/FIOCRUZ);

Aldo Reis - Professor Titular de Obstetrícia da Universidade Estadual do Norte Fluminense; Programa de Epidemiologia Clínica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);

Maria José de Camargo - Doutoranda em Saúde da Mulher pelo IFF/FIOCRUZ; Departamento de Ginecologia do IFF/FIOCRUZ;

Beatriz Grinsztejn - Doutoranda em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela UFRJ; Hospital Evandro Chagas (FIOCRUZ);

Glenda C. Barbosa - Médica Residente do Departamento de Ginecologia do IFF/FIOCRUZ.

Fonte financiadora: não houve.

Resumo

Fundamentos: A partir do conhecimento da maior freqüência de Neoplasias Intraepiteliais Cervicais de Alto Grau (NIC II/III) em portadoras do HIV, é possível que portadoras destas lesões sejam também portadoras do HIV, sem conhecê-lo.

Objetivo: Descrever a prevalência do HIV dentre portadoras de NIC II/III encaminhadas para diagnóstico e tratamento em um Setor de Patologia Cérvico-uterina e Colposcopia.

Material e método: O teste do HIV foi oferecido a todas as mulheres com diagnóstico de NIC II/III no Instituto Fernandes Figueira (IFF) no período de Outubro de 1997 a Fevereiro de 1998. Tratam-se de pacientes encaminhadas pela rede primária de saúde de parte do município do Rio de Janeiro, com colpocitologia sugerindo algum grau de NIC, encaminhadas para diagnóstico e tratamento. O diagnóstico de NIC II/III foi obtido por histologia e o de HIV por dois testes ELISA confirmados por imunofluorescência indireta ou Western-blot.

Resultados: A prevalência de detecção do HIV em portadoras de NIC II/III foi de 11,4% (IC95%: 4,4 – 18,4). Das 94 pacientes para as quais foi oferecido o teste, 15 (15,9%) recusaram sua realização.

Conclusão: A prevalência de infecção pelo HIV em portadoras de NIC II/III no IFF foi muito alta se compararmos com a prevalência desta infecção na população geral. O conhecimento desta prevalência fornece subsídio aos ginecologistas para oferecer o teste do HIV a estas mulheres e, àquelas identificadas como portadoras, os benefícios das condutas atuais para a doença relacionada ao HIV.

Introdução

A infecção pelo HIV em mulheres tem se tornado muito relevante. Atualmente a forma sexual de transmissão responde pela maioria dos novos casos relatados, com uma predominância heterossexual. A relação homens-mulheres de casos de AIDS diminuiu de 16:1 em 1986 para 3:1 em 1997, chegando a 2:1 em algumas regiões do país (1).

Alguns autores sugerem que portadoras do HIV apresentam maior prevalência de Neoplasias Intraepiteliais Cervicais (NIC), além de serem mais persistentes ou recidivantes após tratamento convencionais ou ainda, apresentarem maior velocidade de progressão para lesões pré-invasivas graves (como a NIC III) (2-13).

O que poderia explicar este comportamento peculiar das NIC nestas mulheres é a deficiência imunológica própria da doença mas isto não acontece em todas as categorias da doença relacionada ao HIV(14).

Outra hipótese a considerar para a maior prevalência da infecção pelo papilomavirus humano (HPV) e das NIC em portadoras do HIV é a coincidência de fatores de risco quando a transmissão é por via sexual. Certamente esta população exposta ao HPV é também mais freqüentemente exposta ao HIV e vice-e-versa.

Se a probabilidade de portadoras do HIV apresentarem NIC é maior do que não portadoras, é possível que uma parcela considerável de mulheres portadoras de NIC sejam também portadoras do HIV sem terem conhecimento deste fato.

Maiman et al. em 1988(15) encontrou prevalência 10,6% (7 em 66 mulheres, IC95% = 3-18%) de HIV em pacientes com colpocitologia anormal originária de uma população americana de uma região de alta prevalência de HIV.

O conhecimento de sua condição de portadora do HIV possibilitaria à mulher submeter-se mais precocemente ao tratamento anti-retroviral e à profilaxia antibiótica, prolongando sua sobrevida e melhorado sua qualidade de vida.

Objetivo

Descrever a prevalência do HIV dentre portadoras de NIC II/III encaminhadas para diagnóstico e tratamento em um Setor de Patologia Cérvico-uterina e Colposcopia.

Material e Método

No período de Outubro de 1997 a Fevereiro de 1998, o teste do HIV foi oferecido a todas as 94 mulheres com diagnóstico de NIC II/III, que compareceram ao ambulatório de Patologia Cérvico-uterina do Instituto Fernandes Figueira (IFF). Tratam-se de pacientes rastreadas pela colpocitologia oncótica realizada na rede básica de saúde da Zona Sul e parte da Zona Centro do Município do Rio de Janeiro com diagnóstico citológico de NIC ou câncer invasor do colo uterino. O fato de submeterem-se a este exame nos Postos de Saúde Municipais pode indicar que tratam-se de mulheres de baixa renda. Chegadas ao Setor, são submetidas à colposcopia e biópsia dirigida ou exérese eletrocirúrgica da zona de transformação para diagnóstico e tratamento. Suas idades variaram entre 25 e 55 anos. Não foram pesquisados fatores de risco para infecção pelo HIV.

O diagnóstico da presença do HIV foi feito pelo Elisa (Vironostika HIV Uni-Form II plus O, Organon Teknika BV, Boxtel, Holanda) e, nos casos positivos ou duvidosos, confirmado pela Reação de Imunofluorescência Indireta ou Western-Blot (New Lov Blot I LOT,C.H.-B:328, Sanofi, Diagnostics Pasteur, France).

Resultados

A prevalência de detecção do HIV foi de 11,4% (IC95%: 4,4 – 18,4) (Tabela). Das 94 pacientes para as quais foi oferecido o teste, 15 (15,9%) recusaram sua realização. Numa análise de sensibilidade, podemos considerar a hipótese de que nenhuma das 15 mulheres que rejeitaram o exame seriam portadoras do HIV. Isto forneceria uma prevalência de 9,6% (9 em 94, IC95% = 3,7 – 15,5). Ao contrário, se todas as que recusaram o teste fossem portadoras do HIV, teríamos a prevalência do HIV 25,5% (24 em 94, IC95% = 16,7 – 34,3).

Apesar de não termos pesquisado os fatores de risco específicos para a infecção pelo HIV, tais como número de parceiros sexuais ou coito desprotegido, alguns fatores foram pesquisados dentre as HIV-positivas e constavam em seus prontuários (Quadro). Os resultados obtidos não sugerem tratar-se de uma população de alto risco para esta infecção.

Tabela - Resultados do teste para detecção do HIV dentre aquelas que o realizaram.

Resultado do teste

%

Intervalo de confiança (95%)

Positivo

9

11,4

4,4 – 18,4

Negativo

70

88,6

81,6 – 95,6

Total

79

100,0

 

Quadro – Alguns fatores de risco para infecção pelo HIV pesquisados nas portadoras do HIV.

Idade do 1º coito

14 a 21 anos (média=17,5 anos)

Paridade

0 a 10 partos (média=2,9 partos)

História de transfusão

1 (11%)

Uso de drogas injetáveis

0

Discussão

Nossos resultados contrastam com os dados de Maiman et al. (15) por acreditarmos que nossas pacientes não apresentam risco maior de serem portadoras do HIV. Nossa amostra é constituída por pacientes encaminhadas por um sistema de rastreio de câncer cérvico-uterino de uma região do Município do Rio de Janeiro e, pelas informações disponíveis, não temos motivos para crer que trata-se de grupo de maior risco para o HIV do que as demais portadoras de NIC.

O achado de prevalência maior do que 10% de HIV em portadoras de NIC II/III levanta a questão quanto à sua relevância clínica. Trata-se, sem dúvida, de prevalência muito alta, se comparada à estimada para a população geral. Apesar de não existirem informações sobre a soroprevalência do HIV em mulheres de forma geral em nosso país, existem relatos de prevalência de 1% em prostitutas e de até 5% em gestantes(1).

Se considerarmos as aparentes vantagens do tratamento anti-retroviral e profilaxia antibiótica para os portadores do HIV, garantido o acesso à estes recursos, seria ideal que todo portador do HIV tomasse conhecimento de sua condição o mais precocemente possível. A oportunidade deste diagnóstico não deve ser perdida, pois o início destas medidas proporcionam maior sobrevida e qualidade de vida. Outra vantagem seria a orientação quanto à prevenção de contágio de outras pessoas. Por outro lado, o diagnóstico da infecção pelo HIV e até o oferecimento do teste diagnóstico, traz grandes conseqüências pessoais, psicológicas e sociais. Estes podem ter sido os motivos pelos quais um número significativo de pacientes recusou submeter-se ao teste. A identificação de um grupo com maior probabilidade de ter portadores do HIV justifica e fornece maiores subsídios ao ginecologista para oferecer o teste. Após a verificação desta prevalência, passamos a informar as pacientes da possibilidade de serem portadoras do HIV, o que tem aumentado a aceitação da realização do teste.

Do ponto-de-vista ginecológico, as portadoras de NIC nas quais sabemos serem portadoras do HIV podem ser alvo de seguimento mais cuidadoso, com exames mais freqüentes para prevenção do câncer cérvico-uterino. Apesar desta implicação, não está claro ainda qual a melhor forma de seguimento pós tratamento destas mulheres. Estas questões são objeto de outros estudos em curso no Programa de Epidemiologia Clínica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Conclusão

A prevalência de infecção pelo HIV em portadoras de NIC II/III no IFF foi de 11,4%. Trata-se de freqüência muito alta se compararmos com a prevalência estimada desta infecção na população geral.

O conhecimento desta prevalência fornece subsídio aos ginecologistas para oferecer o teste do HIV a estas mulheres e, àquelas identificadas como portadoras, os benefícios das condutas atuais para a doença relacionada ao HIV.

Bibliografia

1. Ministério da Saúde – Brasil, AIDS – Boletim Epidemiológico - Ano XII Nº 02 – Semana Epidemiológica 22 a 34 – junho a agosto de 1999.

2. Maggwa, B.N., Hunter, D.J., Mbugua, S., Tukei, P., Mati, J.K. – The relationship between HIV infection and cervical intraepithelial neoplasia among women attending two family planning clinics in Nairobi, Kenya. AIDS, 1993: 7;733-8.

3. Mandelblatt, J.S., Fahs, M., Garibaldi, K., Senie, R.T., Peterson, H.B – Association between HIV infection and cervical neoplasia: implications for clinical care of women at risk for both conditions. AIDS, 1992: 6;173-8.

4. Adachi, A., Fleming, I., Burk R.D., Ho, G.Y., Klein, R.S. – Women with human immunodeficiency virus infection and abnormal Papanicolaou smears: a prospective study of colposcopy and clinical outcome. Obstet Gynecol, 1993: 81(3)372-7.

5. Maiman, M., Tarricone, N., Vieira, J., Suarez, J., Serur, E., Boyce, J.G. – Colposcopic evaluation of human immunodeficiency virus-seropositive women. Obstet Gynecol, 1991: 78;84-8.

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8. Smith, J.R., Kitchen, V.S., Boicherby, M. et al. – Is HIV infection associated with an increase in the prevalence of cervical neoplasia? Br J Obstet Gynaecol, 1993: 100;149-53.

9. Spinillo, A., Tenti, P., Zappatore, R. et al. – Prevalence, diagnosis and treatment of lower genital neoplasia in women with immunodeficiency virus infection. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol, 1992: 43;235-41.

10. Spinillo, A., Tenti, P., Baltaro, F., Piazzi, G., Iasci, A., De Santolo, A. – Cervical intraepithelial neoplasia in pregnant intravenous drug users infected with human immunodeficiency virus type I. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol, 1996: 68;175-8.

11. Heard, I., Bergeron, C., Jeannel, D., Henrion, R., Kazatchkine, M.D. – Papanicolaou smears in human immunodeficiency virus-seropositive women during follow-up. Obstet Gynecol, 1995: 86;749-53.

12. Wright, T.C., Koulos, J., Schnoll, F. et al. – Cervical intraepithelial neoplasia in women infected with the human immunodeficiency virus: outcome after loop electrosurgical excision. Gynecol Oncol, 1994: 55;253-8.

13. Maiman, M.; Fruchter, R.G.; Serur, E.; Levine, P.A.; Arrastia, C.D. & Sedlis, A., 1993. Recurrent Cervical Intraepithelial Neoplasia in Human Immunodeficiency Virus-seropositive women. Obstet Gynecol, 1993; 82:170-174.

14. Bartlett, J.G. – 1998 Medical Management of HIV Infection. Baltimore. Port City Press, 1998.

15. Maiman, M., Fruchter, R.G., Serur, E., Boyce, J.G. – Prevalence of human immunodeficiency virus in a colposcopic clinic. JAMA, 1988: 260;2214 (Carta aos editores).

Abstract

Background: Based on the evidences that women with HIV infection are more likely than uninfected women to have cervical squamous intraepithelial lesions (SILs), the precursors to invasive cervical cancer, it is possible that women presenting with CIN II/III could also have HIV infection, without knowing it.

Objective: To describe the prevalence of HIV in women presenting with CIN II/III referred to a colposcopy clinic.

Method: HIV test was offered to all women presenting with CIN II/III at the colposcopy clinic of Fernandes Figueira Institute (IFF) from October, 97 through February, 98. These women were referred from basic units of part of Rio de Janeiro municipality, with Pap smear suggesting CIN, to be confirmed and treated. The diagnosis of CIN II/III was obtained by histological specimens and the HIV test was performed using two ELISA and, when these two tests were positives, confirmed by Western-blot or indirect immunofluorescence.

Results: The prevalence of HIV in women with CIN II/III was 11.4% (CI 95%: 4,4 – 18,4). Fifteen (15.9%) of the 94 patients to whom the HIV test was offered refused to be tested.

Conclusion: The Prevalence of HIV among women presenting with CIN II/III at the colposcopy clinic of IFF was quite high. This knowledge highlights the need of gynecologists to offer HIV counselling and testing to this population. Therefore, those women identified as HIV positive could benefit from the available resources for treatment and adequate management of HIV infection.



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